IMPERTINÊNCIAS, INTENSIDADES, INTERCESSÕES: POÉTICAS EM LÍNGUA PORTUGUESA E FILOSOFIA NO CONTEMPORÂNEO

Rafael Lovisi (UFMG)

Sérgio Lima (UFMG)

 

É dado rotineiro neste início de milênio que as linguagens artísticas e teóricas almejam exercitar a transversalidade, a partir da qual os limites entre os campos do saber podem ser subvertidos em nome da construção de um plano de conexões mais produtivo. Desde as últimas décadas do século passado, um dos aspectos de maior destaque na pauta acadêmica é a paulatina dissolução das demarcações entre as disciplinas, desencadeada, sobretudo, pelas linhagens pós-estruturalistas/pós-modernas da crítica e da teoria. Se a contaminação entre as distintas esferas do saber proporciona, com cada vez mais vigor, uma cena de fluxos contínuos e apropriações, avultando um lugar de permutas, por outro lado, fazem-se nele presentes aqueles que recusam a ruptura com os latifúndios disciplinares e levantam o estandarte da especificidade metodológica como forma de se preservar determinado topos institucional ou epistemológico. Levando-se em conta a aporia ainda em vigor sobre os limites formais entre as modalidades de pensamento e linguagem, o presente simpósio tem como proposta explorar as possibilidades de encontro entre a poética em língua portuguesa e a filosofia realizadas na contemporaneidade, intercessões que podem ser orientados pela seguinte problemática: como criarmos hoje estratégias para que as potências poéticas e filosóficas sejam contempladas coextensivamente, isto é, que ao fazer artístico e ao conceitual sejam concedidos o mesmo brio? Ou ainda, como ensejar, por um lado, o reconhecimento do aspecto pensante da poética e, por outro, da filosofia como uma atividade criativa, imersa no sensível e desprendida das amarras metalinguísticas? Neste sentido, é possível que duas obras incontornáveis para a atualidade nos sirvam como fios de Ariadne: Qu’est-ce que la philosophie?, de Deleuze e Guattari (1991), e Che cos’è la filosofia? (2016), de Giorgio Agamben. Segundo a conhecida definição dos pensadores franceses, a filosofia é a arte de inventar, todavia, esta se encontra em irremediável aliança com outras artes, já que o conceito nunca está só, é uma multiplicidade, uma articulação de elementos heterogêneos cuja capacidade singular é a de engendrar visibilidades, feito este que não seria possível sem a sua simbiose com os perceptos e afectos, seres que habitam o mundo estético. Já na mirada do filósofo italiano, a filosofia não seria uma área na qual seja possível traçar objetivos ou contornos, não seria uma substância, mas sim uma intensidade que pode animar qualquer âmbito: as artes, a política, a religião… Por esta perspectiva, filosofia e poética não são duas substâncias apartadas, mas duas intensidades que percorrem a linguagem em duas direções diversas, a do sentido e a do som, movimento sem o qual permaneceriam burocráticas. Se o contemporâneo revela-se como momento de crise das linhas produtivas, de passagem entre os diferentes registros de saber, ele demanda artifícios que possibilitem pensar e escrever com a poética e a filosofia, e não sobre estas, liberando tráfegos e interfaces entre as mesmas. Tal hibridação requer de nós certa impertinência (no ver da crítica portuguesa Silvina Rodrigues Lopes), que implica em abandonar a inquirição sobre as fronteiras, em deixar de alocar a poiesis e suas manifestações na berlinda entre o que é poético e o que não é, entre o que é filosófico e o que não é, reconhecendo aquilo que dentro de qualquer órbita é exorbitante: a insurreição de performatizações escriturais que escapem às institucionalizações, às molduras fundadas nos binarismos.

Palavras-chave: poéticas em língua portuguesa, filosofia, contemporâneo.