O RITO DA FORMA: LÍRICA E IMAGINÁRIO EM DORA FERREIRA DA SILVA

Sandro Adriano da Silva (UNESPAR/USP)

 

Este minicurso intenciona apresentar uma reflexão sobre a poesia de Dora Ferreira da Silva, poetisa e tradutora brasileira, tendo como recorte de corpus os poemas: “Nascimento do poema”, que integra a obra Andanças (1948/1970); “A porta”, de Retratos da origem (1988) e “O mergulhador”, de Talhamar (1982) e “Órfica”, da obra Hídrias (2004). A lírica de Dora invoca, além da vasta tradição da poesia ocidental, por intrincados e laboriosos processos intertextuais, de uma dimensão arquetípica, instauradas por uma imaginação criadora que aproxima literatura e mito. Campbell (1990) propõe que a mitologia apresenta uma função psicológica, uma vez que o mito e o arquétipo metaforizam etapas da experiência existencial do ser humano, de acordo com os aspectos culturais nos quais se inserem o ritmo e o símbolo. Frye (2000) aponta as relações entre mito e literatura, considerando a mitologia como uma estrutura total, que define crenças religiosas, tradições históricas e as especulações cosmológicas de uma sociedade, a matriz da literatura. Cada poeta, afirma Frye, apresenta uma mitologia particular, a partir da qual funda seus símbolos, e sua estilística. Para Jung (2008), o mito é uma representação conscientes de arquétipos ou imagens primordiais, que estruturam o inconsciente. Na lírica doreana, há uma fonte da qual emana a presença viva de estratos míticos e de arquétipos enredando temas como a memória, a natureza – a partir de seus quatro elementos: água, terra, ar e fogo -, a morte, o sagrado não confessional, a metapoesia, o diálogo da poesia com outras artes, tudo, enfim, concebendo a poesia como uma busca do primordial em todas as coisas, a possibilidade de transcendência, como rito a enformar o poema. O poeta (a poetisa) é alçada à categoria de vate, cuja incumbência é promover a ligação do ser com o sagrado, hierofania num tempo carente de deuses. Aventamos, nos poemas elencados acima, uma sondagem da metáfora que se funde à matéria buscada, do ritmo órfico da elegia sempre presente, da predileção pelas formas não fixas do poema, além de outros recursos expressionais que, acreditamos, garantem à lírica de Dora Ferreira da Silva, um trabalho de linguagem com a palavra imantada de sentido.

Palavras-chave: poesia brasileira contemporânea, Dora Ferreira da Silva, imaginário.