ESPETACULARIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA NA LITERATURA DE SÉRGIO SANT’ANNA

Anderson Possani Gongora (UEL/UNESPAR)

 

Determinadas obras literárias podem recriar e questionar a realidade histórica por meio da ficção. Partindo desse pressuposto, o presente minicurso objetiva uma exposição da temática da violência e sua representação ficcional em Um romance de geração: teatro-ficção (1980), A tragédia brasileira: romance-teatro (1987) e Um crime delicado (1997), de Sérgio Sant’Anna. No Brasil, o malogro de uma época contraditória, acentuada pela ditadura militar (1964 a 1984) levou muitos escritores a uma tentativa de compreensão das experiências vividas pela sociedade em suas diferentes instâncias: política, econômica, cultural, entre outras. No contexto de lutas populares de caráter ideológico, por exemplo, alguns autores ficcionais assumiram por tarefa o jogo que existia entre os destinos da nação e a reconstrução de subjetividades que, aos poucos, foram sendo esfaceladas pela violência em contextos de contradições e melancolias. Nesse movimento de contestação e ressignificação do posicionamento social por meio da literatura, o corpus se destaca por ter sido escrito sob ou sobre a ditadura. Sabendo que os textos literários podem ir além das limitações de um realismo considerado brutal, serão destacados, em alguns capítulos e/ou trechos ficcionais, os jogos narrativos que acontecem entre os diferentes narradores e seus pressupostos leitores. Centrado no romance, no romance-teatro e na análise de espetáculos, o estudo teórico das principais características dessas narrativas leva em consideração suas inúmeras convergências e/ou divergências quanto à produção e recepção dos mesmos. O protagonista do livro Um romance de geração (1980), Carlos Santeiro, que também é escritor, recebe em seu apartamento uma jornalista para entrevistá-lo; ela está interessada nos assuntos concernentes à literatura brasileira do período da ditadura militar no Brasil. O que parece, a princípio, uma visita desagradável, torna-se um encontro memorável em que Santeiro consegue transformá-lo num ato teatral de notabilidade.  Em A tragédia brasileira (1987), amor e morte são temas coadjuvantes, visto que o livro narra a história da morte da menina Jacira, por atropelamento. Roberto, o amante, descrito também como poeta “mórbido e romântico”, contracena com sua “Virgem” num cerimonial (de mortos?) que é, na verdade, um espetáculo imaginário. O Autor-Diretor? Um coveiro. Entre um plano narrativo e outro, o texto vai desvendando ao leitor a atmosfera misteriosa de um sacrifício ritual em que a violência primária inaugura reflexões sobre a condição do ser entre a Poesia e a Morte. No romance Um crime delicado (1997), Sérgio Sant’Anna faz um emaranhado narrativo sobre a vida de Inês. Misteriosa, frágil e manca, ela acaba sendo vítima de um relacionamento ambíguo com o crítico de teatro Antônio Martins. Este, acusado por manter uma relação suspeita com a moça, ao ser levado para o banco dos réus, reconstitui sua história na tentativa de incriminar outra pessoa, o artista plástico Vitório Brancatti, seu rival. Sendo a narrativa uma espécie de trama policial, o mistério é o liame que conduz Martins à sua própria crítica, tornando-a quase um ensaio sobre o próprio ato de escrever. Esse dilema “metaliterário” é o que permite também refletir sobre a arte e suas formas de representação em obras literárias contemporâneas, nas quais o hibridismo entre a Literatura e o Teatro torna-se relevante enquanto proposta de representação dos dramas existenciais de personagens que viviam acuadas em tempos de opressão.

Palavras-chave: literatura contemporânea, teatro-ficção, violência.